Solidariedade Ativa Comunal
- arrecadacrusp
- Aug 5, 2021
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Todos sabem que a universidade é um espaço de ensino e pesquisa, mas afinal de contas, quem ensina a quem? E a pesquisa, por sua vez, é feita por quem? A realidade é que o sujeito por trás da excelência da Universidade de São Paulo é oculto. “Universidade” é o nome que se dá ao conjunto da comunidade ativa que dissemina os conteúdos, constrói novos saberes e, objetivamente, faz essa grande estrutura funcionar. Ser uma universidade de excelência significa que a comunidade que está por detrás desse espaço é excelente.
Dessa forma, ser uma universidade pública de excelência significa possuir e ser composta por uma comunidade ligada diretamente ao conjunto da sociedade, estruturalmente bancada pelo conjunto social e com ele comprometida. A universidade pública de excelência é parte integrante do ensino público do país e atualmente, mais do que em qualquer outro momento da história da Universidade de São Paulo, essa representação se faz verdadeira em sua comunidade: mais de 50% dos seus estudantes, ou seja, àqueles que com os quais o ensino é compartilhado e disseminado e os co-responsáveis pelas excelentes pesquisas e desempenhos universitários, são oriundos do ensino igualmente público do país.
É fato conhecido que o zelo para com sua comunidade de excelência cabe à universidade pública de excelência, uma vez que a manutenção da comunidade equivale à manutenção da própria instituição. Caso contrário, perderia-se a distinção de "pública" e de "excelência".
É aqui exatamente onde entramos. A permanência estudantil é o fundamento de nossas ações: garantir que estudantes que dão o lastro público à comunidade uspiana é também garantir o caráter, a função social e a excepcionalidade da universidade. Os estudantes que representam a sociedade, em sua origem e destino, possuem demandas diferentes das de estudantes oriundos da rede particular do país. A luta pela ampliação do espaço democrático da universidade assim como do seu caráter público passa, necessariamente, pela reformulação de estratégias para com a sua comunidade, como a garantia da permanência da sua representação no curto e longo prazos.
Ao falar em permanência estudantil, devemos nos atentar aos índices de repetência e evasão dos cursos. Quantos estudantes conseguem seguir o percurso proposto pela universidade e quantos precisam tomar outros rumos? Qual o perfil desses estudantes? Esses índices falam menos sobre eles e mais sobre a própria universidade.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a universidade pública tem por objetivo o ensino, a produção e divulgação científica, tecnológica e cultural. Ela é financiada por toda a sociedade através de impostos específicos que são repassados à Educação, por isso, é gratuita. Entende-se que toda a sociedade contribui para seu financiamento, logo, todos os cidadãos têm o direito a usufruir de seus serviços - o que sabemos que não é bem verdade, já que o próprio vestibular é um mecanismo que seleciona aqueles que poderão se matricular e, consequentemente, exclui os demais.
Contudo, a exclusão de estudantes não se dá apenas no processo seletivo. Depois de ingressarem na universidade, são muitos os desafios para a permanência, principalmente entre os mais pobres e em situação de vulnerabilidade. Os índices de permanência estudantil da USP apontam a necessidade de criação de políticas públicas que reduzam a desigualdade de oportunidades que os estudantes enfrentam para que a universidade, de fato, cumpra com a sua função social.
Vamos fazer um exercício: se o curso de Enfermagem da USP abre 100 vagas por ano, é porque está previsto que 100 das vagas já existentes sejam liberadas. Ou seja, espera-se que se formem 100 enfermeiros por ano para que ingressem 100 calouros, futuros enfermeiros. Se o número de egressos do curso de Enfermagem é menor que 100 ao ano, a USP deve investigar as causas disso. É normal que as pessoas descubram outros interesses e decidam abrir mão da enfermagem para ir atrás deles. Agora, não é normal que elas se vejam na necessidade de abrir mão de um curso que gostam porque não têm condições materiais de concluí-lo.
As políticas públicas de permanência estudantil são políticas de assistência social que devem atuar justamente nesse cenário. E, nesse momento, é importante diferenciar assistência de assistencialismo. O primeiro é um direito constitucional, enquanto o segundo é uma doação ou um favor. A assistência busca viabilizar os direitos da população e seu acesso às políticas sociais, como saúde e educação. O assistencialismo, por sua vez, é um conjunto de ações pontuais que até podem prestar algum auxílio momentâneo, contudo, criam uma relação de dependência entre quem doa e quem recebe. Afinal, uma doação ou um favor depende da relação quem detém vs. quem necessita para existir. Além disso, o assistencialismo coloca a população-alvo em uma situação ainda mais vulnerável, pois ela fica sujeita à boa vontade e aos interesses de quem presta o auxílio. Permanência estudantil não é assistencialismo! É um direito! E a USP tem falhado no seu dever de garanti-lo a todos os seus estudantes.
Nosso trabalho surgiu como resposta a um quadro extremo de vulnerabilidade, após um seguido suicídio de um membro da comunidade uspiana, estudante e morador do Conjunto Residencial da USP. Nosso trabalho não é o avesso da luta pela permanência estudantil, lutamos para que esses estudantes de fato, hoje, possam realizar seus estudos e pesquisas com excelência na universidade pública.
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